por Jorge Krekeler

Art 58. Resgate do futuro

Em San Martín Sacatepéquez, Quetzaltenango, na Guatemala as comunidades locais estão redefinindo o futuro. Do lado do vulcão e da lagoa de Chikabal, uma associação de agricultores encontrou no ecoturismo uma via para proteger o meio ambiente e melhorar a qualidade de vida. Paralelamente, a governança municipal se enriqueceu com a recuperação do Conselho de Anciões que acompanham, monitorando a gestão do governo local. Essas iniciativas locais, acompanhadas pela Aso-Seprodi, com o apoio de Misereor, demostram o poder da corresponsabilidade na gestão do território para construir um futuro melhor

Conselho de Anciões

Jun K’loj Tij Wnaq ou Conselho de Anciões no idioma mam é uma organização ancestral que enfrenta desafios na atualidade. Durante nossa visita à Laguna Seca, junto ao vulcão Chikabal, nos reunimos com alguns de seus membros, Seu Juan Vásquez presidente do conselho junto com Miguel López representa o Conselho de Anciões no Conselho Municipal de Desenvolvimento – COMUDE. “Os principais, assim eram chamados antigamente as pessoas idosas das comunidades que assumiam o papel de governantes do território. Mas com a lei de partidos políticos a função dos principais foi substituída”, explica Seu Juan. Quando o Conselho de Anciões foi conformado faz uns anos, contava com mais de sessenta integrantes, entre homens e mulheres, todos idosos, representando suas comunidades. “Os antigos falamos mam, também com o prefeito; mas o povo civilizado é indiferente diante da sabedoria das pessoas mais velhas”, explica Seu Miguel.

Atualmente, o conselho conta com 15 integrantes. Na maioria dos casos, as comunidades, quando o representante ao conselho falece, não o tem nomeado um substituto. “O trabalho no conselho é voluntário Por isso os idosos não querem participar. No início o conselho também contava com mulheres integrantes. Existe essa ideia de que o governo municipal apoie economicamente o conselho”, explica seu Miguel e adiciona o presidente: “Não é tão fácil participar no COMUDE, já que é necessário falar bem espanhol e principalmente falar em público. Além disso, as autoridades municipais não prestam atenção às recomendações, sobretudo sobre prestação de contas e transparência”.

Mesmo com a diminuição de seus membros e das dificuldades para serem escutados no COMUDE, o conselho persiste no seu papel de representar às comunidades e promover a transparência na gestão municipal. A falta de recursos e o desconhecimento da língua mam por parte das autoridades são obstáculos que dificultam o seu trabalho.

Embora a falta de participação das novas gerações e o desconhecimento das autoridades locais dificultem o trabalho, o conselho continua lutando por manter viva a cultura e promover a transparência na gestão municipal.

Entre gerações

O Conselho de Anciões busca preservar a sabedoria ancestral e garantir sua transmissão às gerações futuras. Porém, a falta de conexão com os jovens representa um desafio. “Os jovens acreditam que as nossas coisas estão caducas”, afirma Seu Miguel. Apesar das tentativas por envolvê-los, como a participação de Martin, sobrinho neto do Seu Juan, como secretário, não se conseguiu ainda criar espaços de diálogo intergeracional onde se possa conversar e transmitir conhecimentos e saberes preparando o revezamento geracional. O conselho reconhece a necessidade de se adaptar aos interesses dos jovens e formar a quem quiser em governabilidade, cultura e território para participar na vida comunitária. As experiencias dos idosos, como as de Seu Juan, do seu tempo como prefeito ou do Seu Miguel como representante do conselho diante do governo municipal, poderiam ser uma ponte para conectar com as novas gerações.

Circunstâncias determinantes

Há quase quarenta anos, em 1986, 160 famílias agricultoras do município de San Martin conformaram um comitê, comprando 154 hectares para derrubar a mata e plantar batata. O vulcão Chikabal com sua cratera e sua lagoa formavam parte desse terreno. Juan García, representante legal da Asociação de Agricultores ecológicos – ASAECO lembra: “Nossa ideia inicial era habilitar o terreno para a plantação de batata e usar a água da lagoa para regadio. Mas as autoridades nos indicaram que se tratava de área protegida. Diante desse panorama, a maioria das famílias decidiram sair do comitê. Os que ficamos não tínhamos a menor ideia sobre conservacionismo ou ecoturismo”. Com o apoio do Conselho Nacional de áreas Protegidas – CONAP e a ONG Helvetas Probosque, as dezenove famílias que decidiram ficar aprenderam via formações e visitas de intercâmbio a experiencias comunitárias de conservação ambiental e ecoturismo.

Seu Juan conta uma curiosidade: “No lugar onde nos encontramos agora, chamado laguna seca, originalmente tinha uma lagoa. As pessoas frequentavam esse lugar para lavar roupa ou tomar banho; mas, em tratando-se de uma área protegida, tinha-se proibido as atividades que contaminam. Lamentavelmente, culpabilizavam nossa associação e não partilhavam do nosso interesse de dedicar a área à conservação e a recreação respeitosa com a natureza”. Como indica o nome, laguna seca, a lagoa secou e na planície há uma zona de estacionamento, um quiosque que atende as pessoas visitantes; e pra quem desejar, existe a possibilidade de se alojar em cabanas ou em um eco hotel simples.

Esforços próprios e ajudas externas

O eco hotel se conseguiu graças a apoios vindos do PNUD, Helvetas e o Fundo Nacional para a Conservação da Natureza. Porém a maior parte da infraestrutura atual e a manutenção da área, como trilhas, grades, miradores, e caminhos, o monitoramento do cumprimento das normas durante a estadia dos visitantes tem sido assumido pela associação e suas famílias sócias. Apesar dos desafios, ASAECO conseguiu se autofinanciar a través de seu projeto de conservação e ecoturismo.

Três pessoas da associação, trabalham como guarda-recursos e recebem um salário do CONAP. Outros sócios organizam o transporte em camionetes 4×4 da laguna seca ao mirador. Conseguiu-se que todas as famílias tenham algum tipo de aproveitamento do movimento turístico. ASAECO pode posicionar o vulcão e a lagoa como referentes do turismo sustentável. O presidente da associação compartilha, ao ser perguntado se pode se beneficiar pessoalmente: “A lagoa me deu a oportunidade de crescer, de me capacitar e de conhecer outras experiências similares; é verdade, o vulcão e a lagoa me fizeram ir adiante”.

Importância Cultural e Espiritual

O vulcão e a laguna Chikabal têm se constituído em um local de grande relevância cultural e espiritual e foi declarado lugar sagrado por guias espirituais maias mam. Chegam ali milhares de visitantes tanto maias como de outras religiões para fazer rezas, oferendas e cerimônias. Para as comunidades Maia Mam e K’iche’, o dia da última prece pela chuva, celebrada quarenta dias depois da Páscoa atrai mais de seis mil pessoas; outro momento de grande afluência é o dia da cruz, no início de maio. Ajq’ijs, guias espirituais de diferentes lugares da Guatemala, realizam cerimônias no local, o que implica que a lagoa se tornou um centro cerimonial de grande relevância. Como compartilha Andrés López, um dos guarda-recursos “Com os turistas aconteceu que a nossa organização tomou consciência do valor da nossa cultura e nossa língua”.

O turismo sustentável tem se tornado uma importante fonte de renda para as comunidades locais, promovendo a conservação do meio ambiente e a revitalização das tradições culturais. A lagoa e o vulcão de Chikabal são exemplos de como o turismo pode ser uma força positiva para o desenvolvimento comunitário.

Mensagens para o Futuro

1. O Conselho de Anciões e a associação de agricultores ecológicos nos mostram dos possíveis caminhos de resgate, a partir da recuperação de mecanismos de autogoverno e da conservação do meio ambiente. Ambos os caminhos partilham a revalorização da cultura, da identidade indígena e da espiritualidade no território: ingredientes essenciais para futuros desejados.

2. Saberes e mecanismos de boa governança precisam de espaços compartilhados e revezamento geracional, baseados nas identidades da cultura e do território. O processo do Conselho de Anciões, recuperado a partir da ancestralidade marca a importância da conexão entre gerações.

3. Iniciativas autoconvocadas pela sociedade e grupos locais como o Conselho de Anciões ou a associação de agricultores ecológicos mostram quão importante e factível é o princípio de corresponsabilidade no território.

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O texto foi elaborado, com base nas conversas com Juan Vásquez, Andrés Pérez, Antonio Ramírez y Miguel López do Conselho de Anciões de San Martín Sacatepéquez e com Juan García, Andrés López e outras pessoas sócias da ASAECO – Associação de Agricultores Ecológicos durante a visita a à laguna e vulcão Chikabal. A visita em agosto de 2024 foi realizada por Jorge Krekeler (coordenador do Almanaque do Futuro – facilitador de Misereor a pedido de Agiamondo). Agradecemos ao Conselho de Anciões e à ASAECO pelo seu tempo, interesse e confiança com o Almanaque do Futuro. Um agradecimento especial para o Edgar Ramírez, a Lilian Hernández, o Mario Monterroso y o Francisco Vásquez da Associação Serviços a Programas de Desenvolvimento e Pesquisa – ASO-SEPRODI, sócio de Misereor pelo seu apoio e acompañamento durante todas as atividades, dando passos importantes numa cumplicidade, tecendo transformações.

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Autores:
Jorge Krekeler | [email protected]

Design:
Gabriela Avendaño

Fotografías:
Mario Monterroso
Jorge Krekeler

Dados de contato a respeito da experiência documentada:

Asociación Servicios a Programas de Desarrollo e Investigación
ASO-SEPRODI
[email protected] | [email protected]

Edição: dezembro de 2024

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