
Art 56. Mulheres que não param
Instagram Icon-facebook Youtube Produção e alimentação por Jorge Krekeler “Somos agricultoras, somos líderes, somos mães, somos esposas”, é o testemunho das integrantes do Comité de
Juliana Miranda nasceu e cresceu na comunidade de São Francisco de Pachijal, ao noroeste de Quito, na região do Chocó Andino. Juli é a mais nova de 14 irmãos. Com 22 anos, ainda não conseguiram convencê-la de fazer uma formação convencional, uma vez que no lugar da faculdade ela valoriza a natureza, o bosque, como uma verdadeira escola. Sua participação no projeto piloto de pesquisa sobre a Renda Básica mostra como tem sido aproveitada para avançar em projetos de vida: consolidar a produção artesanal de cosméticos naturais a partir da riqueza do bosque e de cuidar um local de conservação e de turismo ambiental na sua terra natal. Hoje a família a apoia, junto da comunidade estão orgulhosos do caminho que escolheu até agora.
A propósito da Renda Básica Universal: a renda básica é uma quantia que é entregue de maneira periódica e sem condições à todas as pessoas residentes de uma comunidade para garantir sua subsistência económica. Ou seja, supõe-se que a RBU seja universal, individual e incondicional.
A Rede de Guardiões de Sementes (RGS) no Equador, aceitou o convite de Misereor, a agência alemã de cooperação pelo bem-estar e transição social, ecológica e econômica, para implementar um projeto piloto de renda básica no país. A RGS identificou 60 pessoas, que durante dois anos recebem uma renda mensal de 250 dólares, sem condicionamento sobre o uso desses recursos.
Uma particularidade do foco desse projeto é que têm sido as pessoas, guardiões de sementes, quem propôs colegas dos entornos locais, e quem tem demostrado interesse em avançar rumo a uma transição regenerativa, de sustentabilidade e do bem-comum.
Uma ameaça latente
Durante a era do gelo, congelou quase o mundo inteiro, exceto certas regiões da linha equatorial, onde se formaram “hotspots” de diversidade. Esse é o caso da biosfera do Chocó Andino, cuja flora e fauna não são as únicas testemunhas da riqueza biodiversa. Os seus solos, repletos de minerais, contam uma história de milhões de anos de atividade, que as empresas mineiras estão sedentas por explorar.
Desde que a Juliana era criança, a mineração tem sido uma ameaça latente. Quem se opõe, como a sua família, corre o risco de ser visto como inimigo do progresso, ou inclusive de perder a vida. Mas a incansável resistência foi chave para que no ano passado (2023), a cidadania do Distrito Metropolitano de Quito tenha decidido, em consulta popular, proibir a exploração mineira, em todas as escalas. Porém, diz a Juliana “não podemos baixar a guarda já que a consulta não afeta as conceções já outorgadas neste território”. Além disso, continuam tentativas enganosas por parte das empresas, buscando a realização de consultas para viabilizar a exploração; é sabido que existe ouro, prata, bronze e a ambição por extrair outros metais não cessa mesmo as custas da destruição de bosques e rios.
Camufladxs como pessoas interessadas em pecuária regenerativa, o reflorestamento, xs mineirxs buscavam comprar terrenos no Chocó Andino. “Mas depois de alguns anos” diz Juliana, “fomos nos dando conta do objetivo: começaram a entrar máquinas e muita gente da comunidade estava a favor. Foi um conflito terrível. As mineiras fraccionam o tecido social”. Inclusive, tentaram comprar a fazenda do irmão da Juliana. “Mas o meu irmão não quis vender, porque sua fazenda é o seu maior tesouro. Eu acho que isso foi o que me levou a ficar e criar algo que seja rentável sem que explore a terra” diz Juliana, quem na sua idade viu muitxs vizinhxs cedendo diante da facilidade de receber dinheiro, ao em vez de aproveitar a fertilidade das suas fazendas. “essa foi uma das minhas grandes inspirações” e continua, “para dizer não, quero ficar aqui, e quero gerar algo que seja bom para a comunidade e para nós”.
Cosmética natural
Foi assim como em 2021, nasceu Parwa, que significa “flor de milho” em quéchua. No início, a Juliana ajudava o Gustavo, sei irmão mais velho, na produção de sabonetes naturais e óleos essenciais. Quando Gonzalo optou por se dedicar a um emprego remunerado, ela decidiu continuar com a produção. Assim conheceu a Gabriela, sua atual sócia do negócio, quem assume a comercialização. A amizade e colaboração entre ambas é um exemplo de sinergia campo – cidade.
Para sair da casa da Juliana, no coração do bosque, é preciso cruzar três rios, coisa que a Juli gosta, quando vai de bicicleta, mas complicava as vendas. Mais adiante, então, decidiram mudar a sede da produção para a parte urbana de Quito, onde a família da Gabriela lhes ofereceu a casa dos avós que precisava ser transformada para ficar acondicionada como oficina – laboratório. Nesse momento, a Juliana recebeu a renda básica. Lembra, emocionada: “Veio como do céu; fizemos mutirão, derrubamos paredes, pintamos, deixamos bonito”. Também deu para investir numa mesa de aço inox e vasilhas de vidro escuro para os óleos essenciais. Tudo isso requerimento para a qualidade e o registro de seus produtos.
Sabonetes, xampu sólido, repelentes, óleos relaxantes, desodorantes são alguns dos produtos naturais estrela da Parwa; as matérias primas vêm do bosque, por exemplo argilas diversas, e da fazenda onde foram plantadas plantas medicinais diversas como Lúcia-lima, laranja, limão, entre outras. À medida que a demanda e as ventas cresciam, decidiram melhorar os produtos; para isso também a renda básica foi decisiva. Com ajuda de uma especialista francesa, que foi contratada para realizar um treinamento no laboratório, as colegas da Parwa substituíram a glicerina, derivada do petróleo, pela gordura animal ou vegetal de coco e cacau que vem dxs seus/suas vizinhxs. “Nos capacitar sobre o processo de saponificação foi como começar do zero, mas agora produzimos nossa própria glicerina, de forma sustentável”.
A venda é realizada online, além de em várias lojas especializadas em Quito e em Mindo, lugar turístico do Chocó Andino. Até agora, não contrataram pessoal, mas entre a Juliana e a Gabriela cobrem todas as funções da Parwa. Estão orgulhosas em apoiar, por meio do empreendimento, aos pequenos agricultores.
Agora me escutam
O sucesso de Parwa tem tido um impacto muito positivo na comunidade, principalmente entre mulheres e jovens, que dizem “nós também podemos fazer alguma coisa”. Y é que não é comum nem simples, sendo mulheres, ter a possibilidade de administrar processos produtivos. No caso da Juliana, que não só é mulher, mas também a caçula, tem sido central a participação contante em cursos e capacitações, entre os quais remarca o curso de Design e Permacultura, organizado por Yakunina (https://www.yakunina.com/) no Mashpi. Na fazenda da sua família sempre se plantou de forma orgânica, evitando agroquímicos. Porém, determinados métodos para fortalecer a regeneração do solo, a diversidade das espécies, articular diversos aspectos do cotidiano para uma vida sustentável, como propõe a permacultura; tem sido uma novidade para a Juliana. “Lá em casa”, comenta Juliana, “começaram a me escutar; diziam, <<é, acho que ela sabe>>. E agora acho super bonito, porque nessa fazenda que compramos é como que eu estou no comando”.
Projetos de vida
“Tínhamos um sonho, com meus irmãos de comprar uma fazenda para evitar a exploração e conservar a biodiversidade. Todos estávamos apaixonados por uma que fica no Pachijal que é uma beleza, tem águas cristalinas e um belo bosque. Mas era difícil, não tínhamos o dinheiro” – diz Juli, fazendo alusão a seu mais recente projeto, com o qual se identifica profundamente. Ao saber que projeto de renda básica ia se estender por mais um ano, quer dizer, viriam 24 transferências mensais ao em vez de 12, Juliana se animou a se arriscar, fazendo um empréstimo para participar na compra da fazenda junto de seus 7 irmãs/os. A ideia da Juliana é ir morar nessa fazenda, construir um quiosque e alojamento para receber turistas que buscam natureza, vegetação e rios ao em vez de fast food e internet. “A semana passada recebemos pela primeira vez turistas nessa fazenda, amaram o lugar”
“Tenho vários projetos”, conclui Juli, “a renda básica me ajudou a pô-los em prática. No início, me permitiu realizar as melhoras para Parwa, junto com a Gabriela. Mas esse projeto já anda pelos próprios pés. A última transferência de 250 dólares vai ser efetuada em junho, ou seja, em três meses. Mas já estou super preparada.
Motivação que contagia
Apesar de ser a caçula, Juliana conseguiu reconectar os projetos de vida de seus irmãos. “Uma das coisas que tem sido muito forte para mim é ver meus irmã/os cheios de sonhos: da fazenda, de turismo, y para eles tem sido muito difícil conquistar o que eles sempre quiseram. Sempre tiveram que desviar. Sempre tiveram que ir por outros caminhos,” conta a Juliana. Isso lhe deu motivação de se centrar num propósito. “Penso que si meus irmã/os tivessem recebido essa renda básica, também teriam conquistado seus projetos de vida”, Juli resume.
A fazenda que compraram ainda não tem nome, mas a Juliana já tem seu favorito: “finca das nutrias”, fazendo alusão ao permanente espetáculo desses animais que aproveitam o rio e as frutas, e, rindo, confessa: “acho que vão ter que me aceitar esse nome”.
Mensagens para o Futuro
1. A defesa e resistência diante das ameaças de extrativismo e a depredação da natureza requer gerar alternativas económicas que evidenciem a convivência harmoniosa entre xs habitantes do bosque.
2. A renda básica permite levar à prática projetos de vida, obedecendo convicções próprias e vivendo o talento que todxs temos dentro de nós.
3. Corriqueiramente se pensa que quem menos oportunidades tem no campo são os jovens e as mulheres; essa experiencia contrasta com essa narrativa, oferecendo perspectivas frescas de inovação e colaboração.
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O texto foi elaborado com base nas conversas com Juliana Miranda visita e conversas por Michelle Ruiz, coordenadora do projeto piloto RB da RGS e Jorge Krekeler, coordenador do Almanaque del Futuro (facilitador de Misereor a pedido de Agiamondo) em março de 2024. Muito obrigado à Juliana pela sua abertura e interesse. E obrigada também à Michelle por ter aceitado a coautoria e pela cumplicidade em capturar as trilhas da motivação.
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Autores:
Michelle Ruiz |
Jorge Krekeler | [email protected]
Design:
Gabriela Avendaño
Fotografias:
Juliana Miranda – Jorge Krekeler
Dados de contato a respeito da experiência documentada:
Juliana Miranda | [email protected]
Instagram: @parwa.ec
Facebook: Parwa cosmética natural
Informação mais detalhada a respeito do projeto piloto com renda básica:
https://www.almanaquedelfuturo.com/webinar/renta-basica-y-transiciones/
Red de Guardianes de Semillas – RGS | www.redsemillas.org | [email protected]
Edição: setembro de 2024
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