por Jorge Krekeler

Art 49. Incidência a partir da chácara

Ainda não termina o que começou no Peru nos anos noventa, com a luta contra o uso indiscriminado de agrotóxicos; mas a Rede de Ação em Agricultura Alternativa (RAAA) juntou o protesto com a proposta de ação, favorecendo o debate dialógico com argumento irrefutáveis, resultantes da investigação participativa continua. Com trabalho em rede, articulando e aglutinando muitas iniciativas, Luís Gomero e a RAAA praticam uma alternância frutífera entre incidência, denuncia e protesto por um lado e diálogo, proposta e ações alternativas pelo outro. A proibição da chamada “dúzia suja” na década de 90, a moratória e sua renovação para evitar a chegada dos transgênicos no Peru, a proibição de agrotóxicos altamente perigosos e deter a exportação de precursores químicos de alguns países europeus para o Peru, a fundação da associação de produtores ecológicos do Vale Chillón (APEVCH), um dos epicentros do uso de agrotóxicos do pais, com sua bio-feira semanal em Carabayllo e o ponto orgânico em Qatuna Mercados, são alguns dos roteiros cobertos.

Sem chácara não vale

Mais ou menos com essas palavras que os adversários criticavam ao Luis Gomero, agrônomo pós-graduado, docente, pesquisador, influencer e, principalmente, transformador por convicção, quando questionava o uso indiscriminado de agrotóxicos: “remédios que matam”, como afirma o próprio. Tudo começou há mais de 30 anos e ainda não terminou. Faz mais de 20 anos, Luis, nascido em Áncash no norte do Peru, terra das cordilheiras Negra e Branca comprou 4 hectares de terra no Vale Chillon, ao norte da metrópole de Lima, na estrada Lima-Canta. Batizou sua chácara, como Luis chama seu terreno, como HECOSAN, uma combinação entre Helen e Sandy, suas duas filhas e um trocadilho com ecologia. Além de grande variedade de plantações de hortifrutis, milho roxo, criação de animais menores como o porquinho-da-índia, conta com tecnologias como o biodigestor, composteiras, vermicompostagem e muito mais para lidar com a fazenda. O terreno atinge vários propósitos: produz alimentos saudáveis que são vendidos no ponto de venda do mercado urbano, recebe visitas de pessoas e de grupos inteiros com fins de aproximar os visitantes ao mundo da agricultura e da pecuária agroecológica. Ao mesmo tempo é um lugar onde se pesquisa, experimenta, produz e transforma. HECOSAN é de alguma maneira a casa de Rede de Ação em Agricultura Alternativa (RAAA). Esa rede esteve no início dedicada à luta contra os agrotóxicos, para depois aumentar seu foco em direção à agricultura alternativa. Nos primeiros anos a rede funcionava como uma ONG, mas faz mais de dez anos que seus integrantes estão distribuídos nas regiões do país e uma equipe central integrado para além do Luís, pelo Francisco Quispe, Hector Velásquez, Roger Flores e recentemente, numa espécie de revezamento geracional, Judith Vargas, e começou a gerar recursos próprios, prestando serviços de formação e capacitação, pesquisa e agora com linhas próprias de desenvolvimento de empreendimentos produtivos.

De agrotóxicos, boas práticas e vizinhos

Durante a estadia no terreno, acompanho o Luis, na visita a um vizinho. “Podemos aproveitar para olhar que não haja recipientes de agrotóxicos jogados no canal de regadio que conduz a água pela HECOSAN no rodízio semanal. As boas práticas preveem minimamente que os recipientes vazios dos venenos sejam enxaguados três vezes antes de devolvê-los aos pontos de venda. Mas no Peru essas boas práticas não são obrigatórias como no país vizinho, Equador”. Enquanto Luis explica tudo isso, levanta um dos recipientes vazios jogados fora: “graças a muitas campanhas conseguimos que as autoridades agrarias proibissem a importação do agrotóxico clorpirifos, cujo uso está proibido faz anos nos EUA e na União Europeia pelos riscos inaceitáveis às pessoas e ao ambiente. Mas tem outros agrotóxicos como inseticidas neurotóxicos que contêm neonicotinoides; são praguicidas feitos para matar o inseto ao atacar suas células nervosas e acaba afetando o senso de orientação de insetos polinizadores, como as abelhas”.

Para muitos produtores no Vale Chillón é um problema produzir com menos ou mesmo nenhum agrotóxico, uma vez que seus terrenos são contíguos com terrenos de outros que aplicam o coquetel químico completo. Grey Vargas, um vizinho do Luis explica: “quando você produz em campo aberto, podes aplicar adubo orgânico e trabalhar a fertilidade do solo, mas não se salva do tanto de químicos, na conta dos seus vizinhos”. Pela proximidade com Lima com seus mais de doze milhões de habitantes, o Vale Chillón, com seus solos férteis e disponibilidade de água é uma zona de produção intensiva de uma grande variedade de hortifrutis. Sete de cada dez produtores usam muitos agrotóxicos, dois e meio alugam os terrenos em lugar de produzir, resultando em que os produtores andorinhas -assim são chamados os que alugam somente por um ano – tentam maximizar as ganancias aplicando intensivamente agrotóxicos. Até agora somente um pequeno grupo de trinta a quarenta pessoas produzem ou transitam para uma produção agroecológica e saudável. Luis e Judith, que aluga um pequeno pedaço do terreno do Luis, fazem parte da associação de produtores ecológicos do Vale Chillón – APEVCH. Héctor e Roger, ambos integrantes da RAAA acompanham e apoiam essa associação. Roger junto com a Bertha Cruz, funcionária da prefeitura de Carabayllo, visita produtores no Vale Chillón para despertar o interesse em participar da associação. Bertha conseguiu que a prefeitura reconhecesse um lugar fixo para organizar a bio-feira cada sábado. Vários integrantes da associação, como Yanina Loayza, que está totalmente convencida da agroecologia, vendem seus produtos livres de agroquímicos nesta feira. Héctor acompanha os aproximadamente 15 produtores da associação, que aplicaram a um processo de certificação de produção orgânica; Hector explica: “As pessoas se acostumam a cultivar poucos produtos; produzir em diversidade, como costuma ser feito na agricultura alternativa é um desafio”.

Influencer sênior

A influência que o Luis e a RAAA possuem é considerável. Mais de 130mil seguidores no Facebook e 22.000 no Tiktok e uma atividade permanente nas redes sociais. “No geral não replicamos informação, fazemos nosso próprio levantamento e difusão, sempre acompanhado de comentários da nossa parte”, o Luis explica a estratégia. “É um público com interesse na agricultura limpa e que não se assombra diante de temas polémicos em torno da agricultura convencional”. Há comentários da comunidade de seguidores, alguns contrários e muitos outros apoiando, a maioria só lê sem comentar, mas compartilha a informação com terceiros. A armadilha amarela, um método simples, orgânico e bastante efetivo para controlar pragas de hortifrutis, depois que o Luis postou foi compartilhado em pouco tempo mais de 50 mil vezes. Graças a presença da RAAA nas redes sociais, apareceu uma equipe de reportagem belga interessada em documentar as constantes contradições no comercio internacionais dos agrotóxicos, cujo uso na produção agrícola da Europa é rigorosamente proibido, porém, continua em produção e venda no sul global. Graças à reportagem, codirigido pela RAAA e o Consórcio Agroecológico Peruano (CAP) e a promoção da ONG Humandi, o governo belga proibiu a exportação de vários agrotóxicos com direção ultramar; a Bélgica junto com outros países membro da União Europeia pressionam a comunidade para imitarem essa política.

Em 2021 terminava a proibição decretada das plantações transgênicas no Peru, mas em tempo, o Consórcio Agroecológico Peruano, espaço nacional que aglutina as iniciativas agrarias de diversas correntes, entre elas a RAAA, conseguiram um novo prazo por 15 anos.

Mente e chácara

HECOSAN é uma chácara integral, tem muitos componentes e aplica os princípios da agroecologia (diversificação de plantios e produção, reciclagem, resiliência, segurança alimentaria, biodiversidade, entre outras) e como a RAAA oferece serviços (cursos, estâncias guiadas, assessorias, pesquisa, vagas para estudantes em processo de escrever tcc, produção e empreendimento piloto). Há planos bastante avançados para criar um instituto tecnológico de agroecologia no terreno que será para atender o interesse e a demanda de um público que vai de pequenos produtores a funcionários de ministérios, universidades, cooperação internacional e de agroindústria local que existe na bacia do rio Chillón. A infraestrutura para ensaios produtivos de gestão do sistema produtivo já existe. Aulas, sanitários, e alojamentos serão logo mais construídos para poderem inaugurar o instituto. Luís, assim como Héctor são docentes universitários e coincidem “a tendência e demandas de formação são cada vez mais dirigidas a cursos de curta duração com intervalos entre teoria e prática, pesquisa e experimentação”. Graças a uma argumentação a partir da chácara, a RAAA conseguiu introduzir na Convenção do Agro Peruano (COVEAGRO), o fórum nacional agrário mais representativo do país, temas agroecológicos na agenda política e em mais de uma oportunidade pressionou o SENASA, o serviço nacional de saúde agraria do Peru, para que promova boas prática do agro e apoie a agricultura familiar na sua transição para uma produção limpa. O último resultado dessas pressões foi que o SENASA ditou agora uns cursos de capacitação para pequenos produtores do Vale Chillón no controle biológico de pragas. Luís resume: “O que estamos fazendo na HECOSAN, no sentido de práticas, produção, experimentação e pesquisa, construção de alternativas, nos abre com frequência portas para socializar nossas contribuições, despertar a curiosidade e gerar debate. Conseguimos fazer incidência com argumentos, rentabilidade, diálogo de saberes, a partir da inclusão económica, as boas práticas, produção saudável e venda direta e principalmente pela realização pelos diferentes canais de influência”.

De ameaças e novas apostas

As autoridades da Lima Metropolitana e de Carabayllo, que são competentes para regular o uso da terra em boa parte do Vale Chillón não dão bola. Diz Francisco Quispe, outro integrante da RAAA: “Os políticos não se pronunciam e assim vai acontecendo uma invasão urbanística clandestina, porém massiva, tomando conta dos terrenos cultiváveis na zona” E o Luis adiciona: “Faz falta ordenamento territorial com critério de zoneamento ecológico e económico”.

Faz pouco, Judith e Francisco compartilham um piloto de planta de hidrolisado de resíduos de peixe no terreno. Trata-se de usar microrganismos e enzimas que permitem decompor os resíduos em uma lista de aminoácidos necessários para estimular o crescimento das plantas. É o primeiro empreendimento empresarial da RAAA. O produto que se obtém é o aminoácido, um adubo líquido orgânico muito desejado e com bom preço de venta. Paralelamente à planta piloto no terreno, a RAAA vem apoiando com assistência técnica três empresas associativas de mulheres em diferentes partes do país para entrar no mesmo ramo. Numa fase inicial, Roger, outro dos integrantes da rede apoia estes empreendimentos em gestão comercial. O novo marco de pesquisa é reutilizar ossos e espinhas, resíduos sobrantes do processo de hidrolisado.

Não há detritos enquanto há boas ideias, experiencias e pesquisa… é um dos lemas do coletivo com Luís no comando.

Mensagens para o futuro

1. Luis Gomero, com seus cumplices, o Hector, o Francisco, a Judith, o Roger e outros aliados na região, agindo em rede, conseguiram há 30 anos uma alternância proveitosa entre incidência, denuncia e propostas. O que se obtém em ambos os âmbitos, tanto na incidência política pública como nas ações em direção a alternativas declaram a validez, se dividindo entre o debate dialógico e posturas claras rumo a transições necessárias para a produção de alimentos.

2. Inovação a partir de uma lógica de economia e gestão de resíduos circular, somada à constante pesquisa participativa alimenta a atitude da RAAA, buscando encontros, diálogo e debate com todos, e propiciando mudanças onde ninguém esperava. Estes caminhos, inicialmente pedregosos, são o terreno de manobra dessa coletividade; despertando o interesse dos produtores, num dos epicentros do uso de agrotóxicos, em migrar passo a passo para uma agricultura alternativa que ponha em prática os princípios agroecológicos.

3. Redes sociais podem ser úteis à causa, sempre que haja uma estratégia comunicativa clara, mantida e transparente. O Luis, sem dúvida, sendo um dos influencers peruanos mais relevantes em assuntos do agro, é a prova disso.

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O texto foi elaborado, com base nas conversas na chácara HECOSAN de Luis Gomero e em diferentes locais do Vale Chillón, prefeitura de Carbayllo, Cone Norte da Lima Metropolitana, localizada na estrada Lima Canta, por Jorge Krekeler (coordenador do Almanaque do Futuro – facilitador de Misereor a pedido de Agiamondo). Um profundo agradecimento à Luís, como também a Héctor Velásquez, Francisco Quispe, Judith Vargas y Roger Flores da Rede de Ação em Agricultura Alternativa – RAAA e à comunidade da Associação de Produtores Ecológicos do Vale Chillón – APEVCH pelo seu tempo e abertura diante da curiosidade da visita do Almanaque do Futuro.

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